Ananda Rubinstein
roteirista/redatora/conteudista/pesquisadora

Os Olhos de Sidharta

Tudo o que tenho de fazer é dizer sim, não há nãos. Minhas bandas, livros e filmes favoritos foram tão plagiados, e com tanta eficiência, que só posso apreciá-los friamente. As emoções não são muito suscitadas: atrapalham o funcionamento das coisas. Importante é o próximo estímulo. Fazer sexo com humanos ainda rola, esporadicamente, mas com softwares de inteligência artificial, robôs ou desconhecidos online, o custo/benefício tende a ser melhor.

Algumas cenas e imagens são descarregadas das minhas pastas mentais. Sou presa nas engrenagens de uma máquina; danço com um homem de palainas; um trenó me leva rapidamente para a infância; um homem me lambuza de whip cream e lambe; num conversível, me jogo no abismo. Calma, não reconheço essas memórias!

Os Outros

Leo foi uma paixão sinuosa que nunca passou. Eu ainda acreditava na possibilidade de reconquistá-lo quando fui morar no prédio em que ele vivia no Centro. O apartamento dele era o 161; o meu, o 171. Abríamos um a porta do outro com as nossas digitais. Éramos próximos assim. Sua lealdade, sua natureza generosa, o penne à primavera de madrugada, a melhor vista de São Paulo, os noturnos de Chopin, sua simples existência tornavam minha vida suportável.

Seu humor absurdo e afiado não poupava anões, nem ninguém, na verdade. Leo também era mau. Ele terminou comigo porque, me explicou, era cindido e precisava reunir as duas partes. Em vez disso, tirou os dois sapatos e pulou do décimo sexto andar.

Consciência Total 

Minha mente divaga. Penso nos potes de Caramel Crunch Cream Pie, o sorvete, que devoro antes de tomar cada decisão; lembro do fim do meu último relacionamento, que poderia ser o de todos, sempre iguais, os mesmos homens, as mesmas questões, a compulsão à repetição, o erro, a vergonha, a inconsequência. Minha ultima desilusão, William, de quem hackeei todas as contas, buscando online uma traição que acontecia na vida real, com Guto, o professor de ginástica.